OS 10 LIVROS MAIS MARCANTES DA DÉCADA




Por Tiago Matos







A Rapariga no Comboio

Paula Hawkins
Não é que alguma vez tenham desaparecido das estantes, mas os thrillers psicológicos ganharam na última década uma popularidade que há muito não tinham. Cedo as livrarias se encheram de narrativas situadas algures entre o mistério e o horror, frequentemente protagonizadas (e escritas) por mulheres, com um foco muito particular na instabilidade emocional das personagens.
Se quisermos apontar um início concreto para este fenómeno, vamos ter de recuar até 2012 e ao lançamento de Em Parte Incerta por parte de Gillian Flynn, um livro que também poderia perfeitamente constar nesta nossa lista. No entanto, vamos antes optar por destacar A Rapariga no Comboio, um thriller de 2015 que bateu todos os recordes, tendo vendido, no espaço de apenas um ano, mais de 15 milhões de livros em todo o mundo.
A história, entretanto adaptada ao cinema, apresenta-nos uma mulher alcoólica que se vê acidentalmente envolvida num misterioso caso de desaparecimento. Foi o primeiro romance da inglesa Paula Hawkins sob o seu nome verdadeiro, ao qual se seguiu, em 2017, um novo thriller psicológico de enredo ainda mais complexo: Escrito na Água.
John Green
O género young adult foi outro dos que mais cresceu na última década. De acordo com o portal The Balance Careers, o número de livros direcionados a jovens adultos mais do que duplicou entre 2002 e 2012 e esta explosão de popularidade ainda hoje se faz sentir. A culpa é de nomes como J. K. Rowling e o seu Harry Potter que, tendo sido originalmente pensado para crianças, se tornou de forma gradual um favorito também entre as gerações mais velhas. A culpa é igualmente de sagas como Crepúsculo Os Jogos da Fome. Mas, acima de tudo, a culpa é de John Green e de livros como A Culpa é das Estrelas. Ainda que esse nunca tenha sido o plano.
“Estou farto que os adultos digam aos adolescentes que eles não são inteligentes, que não conseguem ler de modo crítico, que não pensam de forma profunda”, explicou John Green, justificando deste modo a forma como revolucionou inadvertidamente o mercado dos livros ao escrever sobre dois adolescentes com cancro que se apaixonam, um enredo que resume uma questão superior: “Que significado pode haver numa vida curta se não encararmos o sofrimento como nobre ou transcendente?”
O resultado foi um grande sucesso de vendas que eventualmente se expandiu para o cinema, consagrando no processo o peso do young adult no mercado literário.





Harry Potter e a Criança Amaldiçoada
J. K. Rowling, Jack Thorne e John Tiffany
Alguém falou em J. K. Rowling? Sim, sim, nós sabemos que os sete livros da série “principal” de Harry Potter foram publicados entre 1997 e 2007 e que, portanto, não são elegíveis para esta listagem, mas não deixou de ser uma bela década para esta escritora inglesa, que publicou o seu primeiro livro para adultos e quatro romances policiais sob o pseudónimo de Robert Galbraith, ao mesmo tempo que se estreava como argumentista no cinema.
No entanto, é outro dos seus livros que destacamos como um dos mais marcantes da década, simplesmente por significar o retorno oficial de alguns dos nossos personagens preferidos. Harry Potter e a Criança Amaldiçoada foi concebido para o teatro, em 2016, imaginando o que aconteceu a Harry, Ron, Hermione e companhia quase vinte anos após os eventos de Harry Potter e os Talismãs da Morte. Em simultâneo com a estreia, Rowling decidiu publicar o argumento no formato de livro. E, só nos dois primeiros dias após o lançamento, já tinham sido vendidos mais de dois milhões de exemplares. É obra.


The Testaments

Margaret Atwood
Como o comprova Harry Potter, os últimos dez anos foram marcados por grandes regressos no mundo dos livros, tanto no que diz respeito a escritores como a narrativas. Vem-nos de imediato à memória Arundhati Roy, que escreveu O Ministério da Felicidade Suprema, o seu primeiro romance desde O Deus das Pequenas Coisas, publicado vinte anos antes. Ou Harper Lee, cujo romance Vai e Põe em Sentinela, uma espécie de prequela do seu clássico de 1960, Mataram a Cotovia, foi publicado em 2015.
Contudo, seria impossível falarmos em grandes regressos sem destacarmos não uma escritora mas um mundo literário inteiro, o da tenebrosa realidade imaginada em 1985 por Margaret Atwood, na distopia A História de Uma Serva, e continuado em 2019 com a publicação de The Testaments.
Catapultado pelo sucesso da adaptação televisiva do primeiro livro, The Testaments chegou-nos mesmo no final da década mas ainda a tempo de deixar marca. Foi um dos vencedores do prestigiado Man Booker e o melhor livro de ficção do ano nos Goodreads Choice Awards. Prova de que, por vezes, as sequelas podem ser pelo menos tão boas como os originais.
Nick Drnaso
Já que falamos de prémios, não podemos deixar de destacar alguns dos livros que, além de conquistarem o público, ganharam o respeito da indústria. Referimo-nos a títulos como A Estrada Subterrânea, de Colson Whitehead, vencedor do Pulitzer de Ficção em 2017; O Livro Negro, de Hilary Mantel, segunda vitória da autora no Man Booker, em 2012; ou A Vegetariana, de Han Kang, galardoado com o Man Booker International em 2016.
Apesar disto, o livro que optamos por destacar é outro. Não um vencedor, mas um derrotado. O mais honroso dos derrotados, porque foi a primeira novela gráfica de sempre a constar nos nomeados para o Man Booker. Sabrina, de Nick Drnaso.
Não é fácil descrever esta história sem recorrer às palavras de Zadie Smith, que se referiu a ela como uma “obra-prima” e o “melhor livro – de qualquer género – que já [leu] sobre o nosso momento atual”. Começa com o desaparecimento de uma mulher, mas o foco da narrativa não se encontra nesse mistério e sim na forma por vezes cínica, por vezes apática, como a sociedade lida com este tipo de casos.





Vaticanum
José Rodrigues dos Santos
Todas as boas histórias são universais, extravasando fronteiras geográficas e de idioma, mas esta não seria uma listagem completa se não nos debruçássemos por um momento no que de mais marcante foi escrito em língua portuguesa na última década.
Esta foi a década em que o moçambicano Mia Couto foi distinguido com o Prémio Camões e com o Prémio Neustadt, a mesma em que publicou a sua trilogia As Areias do Imperador. A década em que o angolano José Eduardo Agualusa ganhou o International Dublin Literary Award e foi finalista do Man Booker International com Teoria Geral do Esquecimento. A década em que Frederico Lourenço traduziu a Bíblia, Dulce Maria Cardoso publicou O Retorno e o já falecido Paulo Varela Gomes publicou todos os seus romances.
Enquanto tudo isto – e muito mais – se passava, José Rodrigues dos Santos consolidava o seu estatuto como o escritor que mais vende em Portugal. Escolhemos destacar o controverso Vaticanum como o seu mais marcante, até porque envolve o rapto do Papa por um grupo de terroristas do Estado Islâmico, mas na verdade poderíamos incluir nesta listagem qualquer um dos thrillers ou romances históricos que publicou nos últimos anos.

A Amiga Genial

Elena Ferrante
Quem é Elena Ferrante e porque escreve tão bem? A dúvida invadiu todos os debates sobre literatura nos primeiros anos da última década, catapultando para o estrelato uma autora que ainda hoje insiste em manter-se na obscuridade. “Posso dizer, com um certo orgulho, que no meu país os títulos dos meus romances são mais conhecidos do que o meu nome”, disse um dia a autora.
Não foi, contudo, a simples ausência de uma autora que fez com que os livros de Ferrante se tornassem grandes sucessos de venda globais. A verdade é que a tetralogia de Nápoles – iniciada com este A Amiga Genial e continuada com História do Novo NomeHistória de Quem Vai e de Quem Fica História da Menina Perdida – conquistou os leitores por mérito próprio, apenas pela beleza e honestidade intelectual da narrativa. Pelo retrato sentido de uma amizade entre duas mulheres, Elena “Lenù” Greco e Raffaella “Lila” Cerullo, e das drásticas mudanças que a simples passagem do tempo pode trazer.



Sapiens: História Breve da Humanidade

Yuval Noah Harari
A década que agora terminou foi também a década em que a ciência se tornou pop. Pelo menos se tivermos em conta os vários fenómenos literários que este género produziu.
A Vida Imortal de Henrietta Lacks, de Rebecca Skloot, mudou a forma como passámos a ler ciência, ao mascarar de ficção a não ficção. E Se…?, de Randall Munroe, brindou as nossas questões absurdas com explicações inteligentes. Stephen Hawking despediu-se de nós com Breves Respostas às Grandes Perguntas. Neil deGrasse Tyson deu-nos Astrofísica para Gente com Pressa. Todos estes nomes marcaram a década à sua maneira, mas talvez não tanto – ou com tanta regularidade – como Yuval Noah Harari.
Foram três os sucessos (consecutivos) que este historiador israelita publicou nos últimos dez anos. No primeiro, Sapiens, falou sobre o passado; no segundo, Homo Deus, falou sobre o futuro; e no terceiro, 21 Lições para o Século XXI, apresentou-nos o presente como nunca o tínhamos pensado. E se toda esta “trilogia” é indispensável para qualquer fã de pop scienceSapiens ocupa um lugar especial por ter tido o condão de revolucionar o mercado.




As Cinquenta Sombras de Grey

E. L. James
Goste-se ou não, a trilogia erótica publicada entre 2011 e 2012 por E. L. James revolucionou o mercado dos livros na última década, arrecadando no processo milhões de fãs em todo o mundo. Foram, no total, mais de 150 milhões os livros vendidos nesta trilogia.
Nos Estados Unidos, preencheram o pódio dos livros mais vendidos da década. Em Portugal, os números também são impressionantes: As Cinquenta Sombras de Grey vendeu 600 mil exemplares, As Cinquenta Sombras Mais Negras mais de 170 mil exemplares e As Cinquenta Sombras Livre mais de 150 mil exemplares.
A trilogia acabou mesmo por ser adaptada ao cinema, resultando em filmes de grande sucesso comercial com Dakota Johnson e Jamie Dornan nos principais papéis. E. L. James expandiu-se então com uma nova série que relata a história de As Cinquenta Sombras na perspetiva de Christian Grey. Já em 2019, publicou o seu primeiro romance inteiramente separado da série: O Senhor. Se gostas de livros eróticos, não há como escapar a este(s).


O Fim do Homem Soviético

Svetlana Alexievich
Pode parecer que voltámos ao critério dos prémios, mas na verdade o que queremos destacar para terminar esta listagem é o experimentalismo. Foi uma boa década para todos aqueles – como nós – que adoram narrativas contadas de formas não tradicionais, capazes de conferir um look fresco e original a um formato tão firmado como o livro.
Estamos a falar de obras como Lincoln no Bardo e do coro de vozes históricas que George Saunders invoca para nos apresentar uma noite de luto de um antigo presidente americano. Ou das 116 histórias – ou, melhor dizendo, fragmentos de histórias – que compõem Viagens, de Olga Tokarczuk. Pensámos inclusive em destacar o experimentalismo da Academia Sueca quando, em 2016, atribuiu o Nobel da Literatura a um nome tão inesperado como Bob Dylan. Mas como poderíamos resistir aos encantos narrativos de outra vencedora do Nobel da Literatura, a bielorrussa Svetlana Alexievich?
Svetlana é repórter de investigação e os seus livros são o resultado de uma substancial quantidade de entrevistas que faz sobre os mais diversos temas. O mais interessante é que se retira, enquanto escritora, da narração, optando por apresentar apenas as falas dos seus entrevistados. O Fim do Homem Soviético, sobre a desintegração da URSS, foi o último livro que publicou, mas também tem trabalhos sobre Chernobyl ou o papel das mulheres na Segunda Guerra Mundial. É, por isso, uma autora que apenas pode ser descrita como “marcante”.

Os 10 livros mais marcantes da década. Revista Estante, Fnac. 30 de zde 2019. Disponível em 

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