+ Leituras | Em todos os sentidos, de Lídia Jorge




Bertrand.pt - Em Todos os Sentidos
Dom Quixote, junho 2020




"Vai para treze anos que Thomas Friedman publicou um livro com o título de O Mundo é plano, considerado por muitos uma obra popular irrelevante, e no entanto o equívoco de que parte deveria merecer o melhor da nossa atenção. Nessas páginas, o desenho que o colunista do New York Times faz do mundo contemporâneo, em função da actual redução das distâncias, da simultaneidade dos actos em sequência, e da homogeneização das culturas, tomando por base a revolução tecnológica em curso, corresponde a uma fantasia vivida como utopia mobilizadora um pouco por toda a parte. Mesmo quando não nos apercebemos, ela caminha a nosso lado e conduz-nos para um lugar que, de tanta abrangência e simplificação, é incapaz de desenhar um horizonte que se compagine com o humano.
Felizmente que para combater semelhante utopia e torná-la insignificante, milhares de vozes, dia após dia, se encarregam de falar do outro mundo, o paralelo, aquele que permanece fiel ao reconhecimento de que a Natureza é coisa extensa, que o tempo do espírito não tem cronómetro, que a realidade sempre será múltipla e sempre será relatada com o pressuposto de que é inapreensível e inenarrável, e por isso devemos tentar descrevê-la a partir de infinitos pontos de vista. Na altura, eu imaginei juntar-me aos demais, escrevendo crónicas que tivessem por base a metáfora dos planetas esféricos, para dizer que a realidade é infinitamente complexa em todos os sentidos. Fui alimentando essa ideia, mas só agora quis o acaso que tivesse encontrado forma de passar da intenção à prática. Por isso mesmo este programa acabará por ter um sub-título escondido – E no entanto o Mundo continuará redondo." 

Lídia Jorge
(a autora escreve segundo o anterior Acordo Ortográfico)



Este foi o texto lido por Lídia Jorge aos microfones da Antena 2, no dia 30 de dezembro de 2018, véspera do início do programa semanal da escritora, Em todos os Sentidos, na Rádio Pública, que se iria prolongar por todo o ano de 2019, com a apresentação / leitura, pela autora, de um conjunto de quarenta e uma crónicas que encaram de frente a fúria do mundo contemporâneo, interpretando os seus desafios, perigos e simulacros com um olhar crítico acutilante.

Esssa crónicas forma posteriormente editadas em livro. 
Na introdução, Lídia Jorge define a crónica como uma homenagem ao deus que faz escorregar os grãos de areia, mirando-nos de soslaio. E acrescenta: «Como não podemos vencer o Tempo, escrevemos textos que o desafiam a que chamamos crónicas

🔊 A leitura dos textos por Lídia Jorge pode ser ouvida acedendo à Antena 2.


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