Mostra Documental | Bernardo Santareno



 


 









Bernardo Santareno, um dos maiores dramaturgos de língua portuguesa, morreu no dia 29 de agosto de 1980. 

Para assinara o centenário do seu nascimento, a Direção Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB preparou uma mostra documental, que AQUI partilhamos.


📌 O Pecado de João Agonia é uma peça fundamental da dramaturgia de Santareno.
Aborda o tema da homossexualidade e a repressão exercida sobre os homossexuais no Portugal dos anos sessenta do século passado.

Disponível na Biblioteca na Camilo.


Excerto do texto: 

Para solucionar os conflitos locais e amenizar a vergonha da família causados pela condição sexual de João, os homens da família Agonia decidem sacrificar sacrificando o protagonista. 

CARLOS – (Para Miguel: com voz surda, ardente) Quando um cavalo, ou um cão, que a gente estime, que a gente traga no coração, dá uma queda e parte ossos grandes, ou quando apanha chaga ruim e sem cura... que é a gente lhe faz [...]?!... 

[...] 

JOSÉ – (Transido, imóvel; a fala cortada por um soluço) – Abate-se... um animal desses abate-se!... 

CARLOS (Que se aproxima de Miguel) – Por bem-querer, Miguel, por amor!... 

[...] 

MIGUEL (De costas para Carlos, aquecendo-se) – Assim se faz... Com os animais (acentua a palavra) é assim... 

CARLOS – Quando a moléstia não tem cura...!? 

MIGUEL (Que se volta lenta, ansiosamente para Carlos) – Mas com as pessoas é diferente: Os antigos da nossa família deixaram cumprir-se, até o fim, a vida da avó Conceição, que estava minadinha pela lepra... e não lhe faltaram com a botica, nem com a caridade do trato!... 

FERNANDO (Explosão) – Mas a doença da avó não era marca vergonhosa, não cobriu a família toda de ranho, como...!!! (Cala-se de súbito, torturado) 

CARLOS (Para Miguel) – Não há botica que lhe valha!: Aquilo não é uma moléstia, é uma... uma danação!! 

MIGUEL – Cada qual tem que pensar na salvação da sua própria alma...?! 

[...] 

CARLOS (Para José) – Como se há-de fazer?!...

FERNANDO – Quando, meu pai?!... (p. 140).

[...] 

JOSÉ (Ternura torturada e rude) – Naõ tenhas medo, João!... Anda, toma lá a tua espingarda...!? (oferece a arma a João; este, transido, fica imóvel) Não tenhas medo, filho... Venha cá!... (João, lívido e cambaleante, aproxima-se de José. Os dois homens, em silêncio ardente, contemplam-se com angústia terrível) Toma, pega na arma... (João obedece, sonambulamente, sem desfitar José) Então que é isso, rapaz?! 

[...] 

JOÃO (Num ímpeto a chorar alto, atira-se para os braços de José) – Ai, pai... pai!!! 

JOSÉ – [...] Por Deus te peço, João, não tenhas medo!? (afasta a cabeça de João, olhando-o nos olhos profundamente e em silêncio) Vamos, filho?!... 

JOÃO (Fica-se, por momentos ainda, mergulhado nos olhos de José; depois, lentamente, retoma a espingarda caída, retesando os músculos em atitude rígida) – Vamos, meu pai. (p. 155-156).


 



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