+ Leitur@s | Antoine Saint Exupéry



Este é o melhor retrato que consegui fazer dele [Principezinho] passado algum tempo". 






Na noite de 31 de julho de 1944, ele, Antoine de Saint Exupéry descolou de uma base aérea na Córsega e não voltou.

Uma mulher relatou ter visto um acidente de avião

Antoine de Saint Exupéry

“Não sei se o transporte de um saco de correio vale o risco de uma vida humana, mas o importante é saber se o homem que esses valores formam é ou não um belo tipo de homem” 
Antoine


Este homem, este escritor, este filósofo ensinou-nos como ninguém até que ponto nós somos “da nossa infância, como de um país.”

Sempre lerei o Petit Prince como quem interpreta crónicas do céu, intangíveis como as casas feitas para a felicidade, tão noivas de guerras, tão mãos nas mãos para nunca caírem, tão jardineiras sim, e tão dentro de mim que não sei viver fora do amor, e tal como Antoine nunca falei, agi ou escrevi sem ser por amor.

E o “Principezinho”, neste livro de todo o sempre, a voltar a cada dia para que eu esqueça o medo de o perder, antes da certeza inequívoca de me poder esquecer que já fui criança, e que conheço a solidão, e muito pelo julgamento dos pensamentos adultos se atropelarem, pois que afinal, nem sempre entendi os arcanjos no caminho que procuro. 

E acrescentou Antoine que sofria

“Porque não há verdade clara para dar aos homens.” 

E dizia

"e eis Mozart criança, eis uma bela promessa de vida. Os principezinhos das lendas não eram, em nada, diferentes dele."

Por todas as perfeitas comunhões, queria dar-te, Antoine de Saint Exupéry, alguma coisa esplêndida. Aceita assim esta toalha de renda feita pelas mãos da minha avó, essa mesma que, na capela ou na mesa das ceias do amor, nela tem escrito que se não morre «contra», morre-se «por».

E como me ouviste, respondeste

“É tão misterioso, o país das lágrimas!”

E tantos tesouros desses tenho debaixo da terra! E tão de boa vontade aceito adormecer, pois eis que aprendi a contar contigo.

Assim disse um dia ao meu amor: exponho-me aos riscos mortais, aqui do meu cockpit onde aprendi que nunca de mim partirás: “Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz.” Já decorei o teu primeiro olhar e quero muito acreditar na nossa paz para o resto dos nossos dias.

Muitas vezes são as que peço que me esperes lá onde me é necessário adiar o momento do reencontro. É que me é impossível ficar na retaguarda sem assumir o risco. Não me é possível não regar a rosa, não regar a intimidade dos laços ou viver sem poesia.

E fico de vela a estas certezas.

Apprivoise-moi ! Si tu m’apprivoises, nous aurons besoin l’un de l’autre.

Antoine não voava tanto quanto desejava, dizia-se que a única coisa de que gostava, era de se perder no céu, para nele traçar estradas e deixar de recear não ter vivido depois da sua infância.

A infância? O nosso reservatório de paz? A chávena de café quente na terra de um lar e que Consuelo lhe daria, em qualquer altura da vida e sempre, e sobretudo, se a seu lado pudesse recortar papéis e dobrá-los como aviões para depois os lançar ao céu do terraço do amor infinito de ambos.

O essencial é invisível aos olhos.





E neste momento já Antoine era o marido de Consuelo e ela era já o que o seu marido lhe chamava: “a raiz da minha paz”.

E no entanto Antoine bem sabia que sublimava o sonho e que aquele encontro de almas nas areias não se passaria liso e plano nas ruas de Paris.

E escrevia Saint Exupéry:

J’accepte la mort. Ce n’est pas le risque que j’accepte. Ce n’est pas le combat que j’accepte. C’est la mort. J’ai appris une grande vérité. La guerre ce n’est pas l’acceptation du risque. Ce n’est pas l’acceptation du combat. C’est à certaines heures, pour le combattant, l’acceptation pure et simple de la mort.





Il tomba doucement comme tombe un arbre

Oração que Consuelo deve dizer todas as noites:
“Senhor, não vos canseis muito (fazei-me simplesmente como eu sou. (…) Senhor, que ele morra antes de mim, porque ele tem aquele ar de ser muito sólido mas sente uma grande angústia quando já não me ouve fazer barulho em casa. Senhor, poupai-o, principalmente à angústia. Fazei com que eu faça sempre barulho em casa, ainda que de vez em quando tenha de partir alguma coisa (…) porque ele fez em mim a sua vida. Protegei. Senhor, a nossa casa. Vossa Consuelo. Amen.”

E pode não haver verdade clara para dar aos homens, pode um saco de correio não valer o risco de uma vida, mas já te tenho escrito muitas cartas portadoras de muitas pressas, e um escritor guerreiro como tu, tem, de certeza, nessa eternidade, a caixa mágica que abre o mundo e volta para desenhar principezinhos em toda a parte, mas

Tu as décidé de partir. Va-t’en.

Car elle ne voulait pas qu’il la vît pleurer. C’était une fleur tellement orgueilleuse…


Teresa Bracinha Vieira. Blogue Raiz e Utopia, Centro Nacional de Cultura, 22 de outubro de 2020

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