+Leitur@s | Lugar para dois, de Miguel Jesus

LUGAR PARA DOIS
Miguel Jesus
Casa das Letras, 2020
Romance
Sinopse da Editora
O que diz a crítica
O título não me motivou grandemente, pareceu-me ‘delicodoce’ demais, e pretensiosa a menção “romance para ler e ouvir”. A linha abaixo ficou-me, porém, nos olhos: “Finalista do Prémio LeYa”, o que por si recomendava a leitura. Acresce que o nome do autor acordava em mim alguma reminiscência e apenas quando anglicizei o apelido, Miguel Gizzas, percebi porquê: era o ‘inventor’ de um novo conceito em que literatura, cinema e música se interligam numa boa história, já com dois ‘romances musicais’ publicados na Gradiva (2014 e 2017) e espetáculos a que chama “cineconcertos”.
Olhei melhor: a capa trazia-me o interesse de um Gizzas a escrever a partir da sua identidade própria, e o que li na contracapa dissipou as minhas reservas. Valeu a pena. Para preconceituosos como eu, Lugar para Dois é a tradução de uma inscrição em Xítsua (Ndau ya vanhu vambiar) num enorme embondeiro algures em Inhassoro, sítio que, pensava o protagonista, “nem nome tinha”. Mas a melhor parte é entrar na história que, como todas as boas ficções, se entretece sobre referentes espaciotemporais de grande precisão desde o início: a “metrópole” e as “colónias”, a inauguração do metropolitano de Lisboa (1959), o acordo de paz em Moçambique (1992). Entre estes contextos enquadra-se uma cronografia em jeito de filamento mágico, encadeando harmonias esquecidas com equilíbrios precários que se quebram em culpa e denegação.
A trama — e as personagens, muitíssimo bem construídas — privilegia a força das emoções sobre o desamparo de uma existência em permanente procura de punição. Protagonista e narrador desassociam-se a partir do momento em que, para um, o medo é o de não tentar, porque “a vida é feita de durantes, não de finais” e, para o outro, é de o “reviver”. Li uma primeira vez, pensando que a ‘invenção’ atrapalharia; rendi-me à estranheza de uma experiência que transformou um romance bem escrito em algo mais.
Luísa Mellid-Franco, E-Revista Expresso, Semanário #2502, 10 de outubro de 2020
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