Pessoa, uma biografia
Este ano finalista do Pulitzer, a biografia de Fernando Pessoa por Richard Zenith reconstrói, em mais de mil páginas, a vida através da obra
TEXTO JOSÉ MÁRIO SILVA
N
O fio condutor da biografia é sempre a obra, esse labirinto disperso e esquivo, construído por dezenas de identidades diferentes (entre heterónimos e semi-heterónimos), uma “espécie de Pompeia literária” que vamos entrevendo no meio dos “escombros das suas obras semiacabadas e fragmentárias”. Mais do que explicar o mistério deste homem de natureza reservada, embora expansivo e alegre quando entre amigos, nas tertúlias, Zenith procurou os sinais da sua inscrição no tempo em que lhe coube viver, não só o tempo individual (o da sua trajetória discreta, sem nunca se afastar muito de um círculo apertado: primeiro em Durban, depois em Lisboa), mas também o tempo histórico de Portugal e do Mundo, no final do séc. XIX e primeiro quartel do séc. XX.
Década a década, assistimos cronologicamente à crescente tensão entre esses dois tempos, sempre devidamente contextualizados (notando-se, aqui e ali, que o texto foi inicialmente pensado para um público não conhecedor da realidade portuguesa). Ao longo de mais de 12 anos de trabalho, Zenith encontrou um tom equilibrado, sem grandes arroubos, um estilo bastante acessível, sem abdicar do rigor que se espera de um académico. Para elucidar determinadas circunstâncias, há aproximações a versos e prosas escritas por Pessoa, seja na sua correspondência, seja em certas obras (como os poemas em língua inglesa, por exemplo, no caso da idealização homoerótica).
Mas a tentação erudita nunca se sobrepõe à fluidez do texto, assumidamente direcionado para um público não especialista. Sem surpresa, o retrato de Pessoa que emerge deste livro não é completo, nem definitivo. Há, e provavelmente haverá sempre, espaço para outras abordagens, outros ângulos, outras perspetivas. E, nem de propósito, neste final de ano acaba de ser editada outra biografia monumental de Pessoa (“O Super-Camões”, de João Pedro George, D. Quixote, quase 1000 páginas), a primeira de um autor português desde a que João Gaspar Simões escreveu em 1950, apenas 15 anos após a morte do poeta.
Quetzal Editores
Nº de Páginas: 1184
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