Escola a ler Eugénio de Andrade | Partilhas 1
Os alunos do 1A1 leem o poema "Adeus"
ADEUS
Já gastámos as palavras
pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de
quatro paredes.
Gastámos tudo menos o
silêncio.
Gastámos os olhos com o sal
das lágrimas,
gastámos as mãos à força de
as apertarmos,
gastámos o relógio e as
pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto
para dar um ao outro;
era como se todas as coisas
fossem minhas:
quanto mais te dava mais
tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes
verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras
estão gastas.
Adeus.
Entre os teus
lábios
é que a loucura
acode,
desce à garganta,
invade a água.
No teu peito
é que o pólen do
fogo
se junta à
nascente,
alastra na
sombra.
Nos teus flancos
é que a fonte
começa
a ser rio de
abelhas,
rumor de tigre.
Da cintura aos
joelhos
é que a areia
queima,
o sol é secreto,
cego o silêncio.
Deita-te comigo.
Ilumina meus
vidros.
Entre lábios e
lábios
toda a música é
minha.
TU ÉS A ESPERANÇA,
A MADRUGADA
Nasceste nas tardes de setembro,
quando a luz é perfeita e mais doirada,
e há uma fonte crescendo no silêncio
da boca mais sombria e mais fechada.
Para ti criei palavras sem sentido,
inventei brumas, lagos densos,
e deixei no ar braços suspensos
ao encontro da luz que anda contigo.
Tu és a esperança onde deponho
meus versos que não podem ser mais nada.
Esperança minha, onde meus olhos bebem,
fundo, como quem bebe a madrugada.
MADRIGAL
Tu já tinhas um nome, e eu não sei
se
eras fonte ou brisa ou mar ou flor.
Nos
meus versos chamar-te-ei amor.
POEMA
À MÃE
No
mais fundo de ti,
eu
sei que traí, mãe
Tudo
porque já não sou
o
retrato adormecido
no
fundo dos teus olhos.
Tudo
porque tu ignoras
que
há leitos onde o frio não se demora
e
noites rumorosas de águas matinais.
Por
isso, às vezes, as palavras que te digo
são
duras, mãe,
e
o nosso amor é infeliz.
Tudo
porque perdi as rosas brancas
que
apertava junto ao coração
no
retrato da moldura.
Se
soubesses como ainda amo as rosas,
talvez
não enchesses as horas de pesadelos.
Mas
tu esqueceste muita coisa;
esqueceste
que as minhas pernas cresceram,
que
todo o meu corpo cresceu,
e
até o meu coração
ficou
enorme, mãe!
Olha
— queres ouvir-me? —
às
vezes ainda sou o menino
que
adormeceu nos teus olhos;
ainda
aperto contra o coração
rosas
tão brancas
como
as que tens na moldura;
ainda
oiço a tua voz:
Era
uma vez uma princesa
no
meio de um laranjal...
Mas
— tu sabes — a noite é enorme,
e
todo o meu corpo cresceu.
Eu
saí da moldura,
dei
às aves os meus olhos a beber,
Não
me esqueci de nada, mãe.
Guardo
a tua voz dentro de mim.
E
deixo-te as rosas.
Boa noite. Eu vou com as aves.
Comentários
Enviar um comentário