Escola a ler Eugénio de Andrade | Partilhas 1

 




Vídeos de algumas das partilhas das leituras realizadas no passado dia 19 de janeiro, no Escola a ler, no âmbito da celebração do centenário do nascimento de Eugénio de Andrade.

Os alunos do 1A1 leem o poema "Adeus"


ADEUS

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,

e o que nos ficou não chega

para afastar o frio de quatro paredes.

Gastámos tudo menos o silêncio.

Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,

gastámos as mãos à força de as apertarmos,

gastámos o relógio e as pedras das esquinas

em esperas inúteis.

 

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.

Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;

era como se todas as coisas fossem minhas:

quanto mais te dava mais tinha para te dar.

 

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.

E eu acreditava.

Acreditava,

porque ao teu lado

todas as coisas eram possíveis.

 

Mas isso era no tempo dos segredos,

 era no tempo em que o teu corpo era um aquário,

era no tempo em que os meus olhos

eram realmente peixes verdes.

Hoje são apenas os meus olhos.

É pouco, mas é verdade,

uns olhos como todos os outros.

 

Já gastámos as palavras.

Quando agora digo: meu amor,

já se não passa absolutamente nada.

E no entanto, antes das palavras gastas,

tenho a certeza

que todas as coisas estremeciam

só de murmurar o teu nome

no silêncio do meu coração.

 

Não temos já nada para dar.

Dentro de ti

não há nada que me peça água.

O passado é inútil como um trapo.

E já te disse: as palavras estão gastas.

 

Adeus.




No 12ºJ, leu-se "Retrato Ardente" e "Tu és a esperança, a madrugada"


RETRATO ARDENTE

 

Entre os teus lábios

é que a loucura acode,

desce à garganta,

invade a água.

 

No teu peito

é que o pólen do fogo

se junta à nascente,

alastra na sombra.


 

Nos teus flancos

é que a fonte começa

a ser rio de abelhas,

rumor de tigre.

 

Da cintura aos joelhos


é que a areia queima,

o sol é secreto,

cego o silêncio.

 

Deita-te comigo.

Ilumina meus vidros.

Entre lábios e lábios

toda a música é minha.



TU ÉS A ESPERANÇA, A MADRUGADA


Nasceste nas tardes de setembro,

quando a luz é perfeita e mais doirada,

e há uma fonte crescendo no silêncio

da boca mais sombria e mais fechada.

 

Para ti criei palavras sem sentido,

inventei brumas, lagos densos,

e deixei no ar braços suspensos

ao encontro da luz que anda contigo.

 

Tu és a esperança onde deponho

meus versos que não podem ser mais nada.

Esperança minha, onde meus olhos bebem,

fundo, como quem bebe a madrugada.



No 9ºC leu-se Madrigal


MADRIGAL

Tu já tinhas um nome, e eu não sei

se eras fonte ou brisa ou mar ou flor.

Nos meus versos chamar-te-ei amor. 




Os alunos do 9º C também gostaram do "Poema à mãe".


POEMA À MÃE

 

No mais fundo de ti,

eu sei que traí, mãe

 

Tudo porque já não sou

o retrato adormecido

no fundo dos teus olhos.

 

Tudo porque tu ignoras

que há leitos onde o frio não se demora

e noites rumorosas de águas matinais.

 

Por isso, às vezes, as palavras que te digo

são duras, mãe,

e o nosso amor é infeliz.

 

Tudo porque perdi as rosas brancas

que apertava junto ao coração

no retrato da moldura.

 

Se soubesses como ainda amo as rosas,

talvez não enchesses as horas de pesadelos.

 

Mas tu esqueceste muita coisa;

esqueceste que as minhas pernas cresceram,

que todo o meu corpo cresceu,

e até o meu coração

ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —

às vezes ainda sou o menino

que adormeceu nos teus olhos;

 

ainda aperto contra o coração

rosas tão brancas

como as que tens na moldura;

 

ainda oiço a tua voz:

          Era uma vez uma princesa

              no meio de um laranjal...

 

Mas — tu sabes — a noite é enorme,

e todo o meu corpo cresceu.

Eu saí da moldura,

dei às aves os meus olhos a beber,

 

Não me esqueci de nada, mãe.

Guardo a tua voz dentro de mim.

E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.


Os alunos de Psicologia do 12º G, H e F também optaram por 
"Retrato Ardente" e "Tu és a esperança, a madrugada"



Ler acrescenta!


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