Livros: Como e porquê escreve Murakami, pelo próprio
Conjunto de 12 ensaios: os primeiros seis retirados da gaveta e publicados numa revista, e os restantes escritos propositadamente para este livro. Embora declare no prefácio não gostar de escrever sobre si e o seu método, nem pretender explicar aos leitores como o devem ler, esta é a segunda vez — depois de “Autorretrato do Escritor Enquanto Corredor de Fundo” — que o autor faz luz sobre a sua vocação. É inevitável que sejam considerados ‘ensaios autobiográficos’, pois, afirma ele, se escrever romances surge como forma de se expressar, falar sobre o que se escreve é, afinal, falar de si. E a sensação que persiste nesta leitura é a de que Murakami se detém um processo de reflexão pessoal, só ocasionalmente dissecando aspetos das suas obras — das personagens à voz narrativa.
O prefácio parece imbuído de alguma (falsa?) modéstia de quem considera ter um “certo talento” a par de um “temperamento firme” ou obstinado. Afinal, tem sido isso que fez nos últimos 35 anos, escrever romances — considerado um dos “grandes romancistas vivos” (“The Guardian”) e apontado como candidato ao Nobel.
O autor compara a disciplina férrea na escrita à da corrida, que pratica diariamente; em ambas prefere ser um “corredor de longa distância”, privilegiando o romance de grande fôlego. Vê o romancista mais como operário do que como artista, mesmo que escrever brote de um talento inato que há que aprimorar e requeira muita leitura (Raymond Chandler impõe-se como influência).
A escrita afigura-se como percurso de aperfeiçoamento individual. Mais do que um guia de escrita para um potencial ficcionista, estes ensaios resultam num autorretrato, no qual Murakami (conscientemente) se dispersa por vezes: em argumentos que se afiguram réplicas a acusações que lhe têm sido feitas ou em análise crítica à sociedade japonesa, da escolarização uniformista aos perigos da energia nuclear.
Paulo Nóbrega Serra, Revista E - Semanário Expresso, 23 de maio de 2023
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