A pequena comunista que nunca sorria

Lola Lafon
Lynn S.K.
“A Pequena Comunista que Nunca Sorria” traça o percurso da ginasta romena mostrando a impiedosa construção de um mito que serviu interesses alheios, políticos e pessoais
Em 1976, uma parte do mundo via pela televisão as provas de ginástica nos Jogos Olímpicos de Montreal. Na trave, uma rapariga romena fazia uma sequência de movimentos impossíveis e obtinha a classificação de 10 pontos. Este é um romance sobre essa rapariga, Nadia Comaneci, mas sobretudo sobre o seu impiedoso percurso de ascensão e queda, acrescentando-lhe os olhares enviesados da imprensa, do público e dos políticos.

A PEQUENA COMUNISTA QUE NUNCA SORRIA
Lola Lafon
Antígona, 2024, trad. de Luís Leitão, 272 págs.
Romance
Desfazer o mito não exige abandonar o espanto. Os feitos de Nadia Comaneci continuam inalcançáveis para a esmagadora maioria dos humanos. Ainda assim, é de um ser humano que se trata, e o romance de Lafon agarra-se a essa certeza em cada parágrafo, colocando na boca da ginasta palavras que confirmam o mundo pouco dado a maniqueísmos: “É um contrato que fazemos connosco mesmas, não uma submissão a um treinador. Eram as outras raparigas, as que não eram ginastas, que eu achava obedientes. Elas tornavam-se iguais às mães, como todas as outras.” Nadia cumpre o seu desígnio, autoimposto e forçado por outrem — talvez ambas as coisas —, mas o mito é construído de fora e é ele que se impõe violentamente pela ação do regime romeno, que atribui as vitórias a Ceausescu, do treinador Bela Karolyi, que aposta a sua sobrevivência no sucesso de Nadia, da imprensa internacional, que sexualiza o corpo de uma criança, que a eleva aos píncaros e depois a destrói. O romance cujas costuras vamos vendo nos diálogos imaginados entre a narradora e Nadia Comaneci dá uma voz à grande ginasta, expõe várias hipocrisias (a dureza dos treinos, arma de arremesso político na Guerra Fria, prontamente reproduzida pelo Ocidente) e assegura, numa linguagem sempre crua, que a ideia de uma verdade absoluta perante um mito se desfaz tão facilmente como um pino em cima de uma trave — e nem sempre com a elegância de Comaneci.
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