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Morreu a escritora Maria Teresa Horta

 



Morreu Maria Teresa Horta, uma das autoras da marcante obra Novas Cartas Portuguesas. A BBC colocou a escritora portuguesa entre "as 100 mulheres mais influentes e inspiradoras de todo o mundo".

Escritora, jornalista e poetisa, Maria Teresa Horta ficou conhecida na história da literatura portuguesa como uma das "três Marias". Por ser uma das três autoras do livro Novas Cartas Portuguesas, foi processada e julgada em 1972, ao lado de Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa.

Esta obra, escrita a partir das cartas de amor dirigidas a um oficial francês por Mariana Alcoforado, constituiu-se como um libelo contra a ideologia vigente no período pré-25 de Abril, que denunciava a Guerra Colonial, as opressões a que as mulheres eram sujeitas, um sistema judicial persecutório, a emigração e a violência fascista.

Começou a ser escrita em maio de 1971 e foi publicada em abril de 1972, tendo sido banida pela ditadura e as suas autoras levadas a julgamento.
Além do Movimento Feminista de Portugal fez parte do grupo Poesia 61. Publicou diversos textos em jornais como Diário de Lisboa, A Capital, República, O Século, Diário de Notícias e Jornal de Letras e Artes, entre outros.

“Uma perda de dimensões incalculáveis para a literatura portuguesa, para a poesia, o jornalismo e o feminismo, a quem Maria Teresa Horta dedicou, orgulhosamente, grande parte da sua vida”, pode ler-se no comunicado enviado pela editora Dom Quixote à comunicação social.

No mesmo texto, lamenta “o desaparecimento de uma das personalidades mais notáveis e admiráveis” do Portugal contemporâneo, “reconhecida defensora dos direitos das mulheres e da liberdade, numa altura em que nem sempre era fácil assumi-lo, autora de uma obra que ficará para sempre na memória de várias gerações de leitores”.

No passado mês de dezembro, Maria Teresa Horta foi incluída numa lista elaborada pela estação pública britânica BBC de 100 mulheres mais influentes e inspiradoras de todo o mundo, que incluía artistas, ativistas, advogadas ou cientistas.

Maria Teresa de Mascarenhas Horta Barros nasceu em Lisboa, no dia 20 de Maio de 1937. Frequentou a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, foi dirigente do ABC Cine-Clube, militante ativa nos movimentos de emancipação feminina, jornalista do jornal A Capital e dirigente da revista Mulheres.

Como escritora, estreou-se no campo da poesia em 1960, mas construiu um percurso literário composto também por romances e contos. Em 1971, publicou o livro de poesia “Minha senhora de mim”, que faz uso da forma poética das cantigas de amigo medievais, mas que coloca a mulher no centro da narrativa, como alvo de desejo sexual e como sujeito que comanda a relação com o homem, submetendo-o aos seus desejos.
Marcelo Rebelo de Sousa evoca, em mensagem publicada no portal da Presidência da República, o papel de Maria Teresa Horta na literatura portuguesa, apresentando "sentidas condolências" à família e amigos.

Com livros editados no Brasil, em França e Itália, Maria Teresa Horta foi a primeira mulher a exercer funções dirigentes no cineclubismo em Portugal e é considerada um dos expoentes do feminismo da lusofonia.

Foi amplamente premiada ao longo da sua carreira literária, destacando-se, só nos últimos anos, o Prémio Autores 2017, na categoria melhor livro de poesia, para “Anunciações”, a Medalha de Mérito Cultural com que o Ministério da Cultura a distinguiu em 2020, o Prémio Literário Casino da Póvoa que ganhou em 2021 pela obra “Estranhezas”, e a condecoração, em 2022, com o grau de Grande-Oficial da Ordem da Liberdade, pelo Presidente da República.
Obra "contra o seu tempo"

Em reação à notícia da escritora, Lídia Jorge considera que Maria Teresa Horta deve ser lembrada "porque foi uma persistente" e que viveu a "vida dela como se estivesse a preparar-se para uma longa batalha".

"Toda a obra dela constitui o edifício irrepreensível", afirmou a também escritora. "Maria Teresa Horta não teve a mais pequena facilidade deste mundo".

Segundo Lídia Jorge, a obra da poetisa "é uma obra construída contra o seu tempo", "é uma obra a favor de um tempo novo".

"Até aos últimos poemas que escreveu, ela escreveu-os avançando para diante".

Já a autora da biografia de Maria Teresa Horta considerou que a escritora teve uma "infância e uma adolescência muito marcada por alguns acontecimentos que a tornaram" na pessoa que era, como o abandono da mãe, por exemplo. Segundo Patrícia Reis, a escritora e feminista sempre foi "defensora da mãe".

"A vertente feminista da Teresa começa aí, no facto de perceber que a mãe também poderia ser livre como os homens"
, explicou. "Muito rapidamente percebeu que a causa da mãe e das mulheres é também este principio de liberdade que a mãe advogou".

Por isso, a biógrafa acredita que "tudo o que lhe aconteceu na infância converteu-se naquilo em que se tornou como poetisa, com escritora e também como jornalista".

"É preciso não esquecer que Maria Teresa é uma jornalista, uma jornalista aliás pioneira, uma das primeiras mulheres a entrar nas redações de jornais já na década de 60 e uma das primeiras a ter carteira profissional".

A ministra da Cutura manifestou, entretanto, o "profundo pesar" da morte de Maria Teresa Horta, "uma das mais importantes vozes da literatura portuguesa contemporânea e uma figura notável na luta pelos direitos das mulheres em Portugal".

"Ao lado de Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, com quem escreveu as 'Novas Cartas Portuguesas' (1972), desafiou o regime ditatorial e tornou-se um marco do feminismo português", escreveu numa nota Dalila Rodrigues, onde recordou a "notável carreira literária, que se estendeu por mais de seis décadas"

"Maria Teresa Horta produziu uma obra vasta e fundamental, que inclui poesia, romance e jornalismo. A sua escrita, marcada por uma voz única e corajosa, que abordou temas como a liberdade, o corpo feminino, o erotismo e a condição da mulher na sociedade portuguesa, continuará a inspirar futuras gerações de escritores e leitores, mantendo viva a luta pela igualdade e pela liberdade de expressão".

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