Vozes da diáspora portuguesa

 


Chegou o livro de BD que dá voz a quem partiu de Portugal para França em jeito de fuga

Chegou o livro de BD que dá voz a quem partiu de Portugal para França em jeito de fuga
Madeleine Pereira

Temos propensão para esquecer as vozes da diáspora portuguesa. É comum gozarmos com a maneira de falar de quem saiu de Portugal em contexto de pobreza e com pouca passagem pela escola. Agora, há um livro de banda desenhada que lhes dá voz

Nestas páginas, há mulheres com um ‘olho à Belenenses’. E também dois polícias a mandar parar um táxi a meio da noite, em Trás-os-Montes. Vemos famílias a atravessar a raia a salto. Quase sentimos nas mãos as reguadas dadas numa escola primária em Mortágua. E sofremos perante miúdos franceses a gozar com as sobrancelhas de uma rapariga de origem portuguesa, numa escola francesa. É claro que a História do século XX português pode também ser feita de grandes frases famosas, como “obviamente, demito-o” ou “para Angola, rapidamente e em força”. Temos de contar com páginas de jornal censuradas ou publicadas, com arquivos de televisão e de rádio, com fotografias salvas da fome democrática do bicho do papel. Mas essa seria sempre uma manta de retalhos incompleta, se fossem deixadas de lado as narrativas das vidas de muitos dos portugueses que emigraram ou se exilaram durante a ditadura de inspiração fascista de António Oliveira Salazar.

Temos propensão para esquecer as vozes da diáspora portuguesa. É comum gozarmos com a maneira de falar de quem saiu de Portugal em contexto de pobreza e com pouca passagem pela escola. E podemos olhar com paternalismo e sem ternura para as chamadas casas de emigrante, plantadas em muitas aldeias portuguesas. Nos países para onde foram começar de novo, muitos destes emigrantes foram acolhidos com xenofobia. Agora, há um livro de banda desenhada que vem dar voz a quem partiu de Portugal para França em jeito de fuga, numa altura em que a miséria económica e o risco de ver os filhos morrer na guerra colonial assustavam tanto como a polícia política de Salazar e do seu sucessor, Marcello Caetano. O livro chama-se “Borboleta”, foi publicado em França no ano passado e sai agora em português, numa edição da ASA. A autora é a ilustradora Madeleine Pereira, que nasceu em França em 1997 e estará no Festival Internacional de Banda Desenhada Maia BD, no Fórum da Maia, entre 23 e 25 de maio.





Num dos quadradinhos, a personagem que tem tudo a ver com a autora caminha pelas ruas de Lisboa. Aproxima-se do Museu do Aljube — Resistência e Liberdade, junto à Sé. E lá estão estas palavras: “Tenho vontade de saber mais sobre este país que eu amo, mas ao qual não me sinto pertencer completamente. Toda uma parte da sua dolorosa História escapa-me, como se faltasse um pedaço do puzzle.”


João Pacheco. E-Revista, Semanário Expresso, 27 de março de 2025

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