Jornais gratuitos para os jovens escaparem das alforrecas
#literaciadosmedia #alermaisemelhor
Há dias uma amiga, que dá uma cadeira de “ética no jornalismo” numa faculdade, contou-me que na primeira aula de apresentação, faz uma pergunta da praxe aos alunos e alunas: “Que jornais e revistas de informação vocês leem e subscrevem?” A resposta da maioria é “nada”.
Ficar pela montra
Tudo o que a maioria dos estudantes dizem ler ou consumir para se informar sobre o país e o mundo é pescado nas redes. Não passam muitas vezes dos títulos. Como se diz na gíria jornalística, ‘ficam pelas gordas’.
Não entram no conteúdo propriamente dito e, por isso, esses leitores que ficam pela montra não são contabilizados no tráfego dos sites. O que tem impacto para a sustentabilidade do negócio do jornalismo.
E o que vários estudos apontam é que muitos jovens nem buscam mediadores ou sites de informação credíveis. E não revelam ter critérios ou ferramentas para escrutinar as fontes do que lhes chega ao TikTok ou Instagram.
Vive-se o tempo em que a verdade e os factos concorrem nos mesmos lugares com a mentira, as fake news, a desinformação e a propaganda.
A literacia digital dos jovens nas redes sociais e na internet em geral devia ser uma matéria além de obrigatória, reforçada no seu conteúdo e realmente implementada na disciplina de cidadania.
Para se aprender a fundo sobre os perigos do cyberbullying, o respeito pela privacidade e diversidade, mas também sobre os riscos do consumo de informação sem critério.
[...]
E o papel? Qual papel?
Os jornais em papel são um planeta distante para a malta mais nova que não cresceu com essa cultura. E as subscrições digitais atraem só uma minoria.
Talvez porque os seus pais também a estavam a perder ao caírem no engodo de que o essencial se apanha na net de forma gratuita, ou que as redes sociais bastam, num ‘scroll’ errante e acrítico.
O valor do jornalismo livre e independente, uma das bases da democracia, não colhe ainda nas nossas gerações.
E isso é perigosíssimo para uma nação que há pouco mais de 50 anos vivia mergulhada numa ditadura. Não esqueçamos que os jornais e revistas que chegavam às mãos da população passavam antes pela apertada censura do lápis azul da PIDE que apagava a eito e sem piedade notícias e textos inteiros. Sempre aqueles que iam ao nervo e ao osso político e social.
Brindemos a esta medida
É por isso uma excelente notícia que a partir da passada sexta-feira todos os jovens, entre os 15 e os 18 anos (inclusive), podem aderir gratuitamente (sim, gratuitamente) a uma assinatura digital de um jornal ou de uma revista, de caráter generalista ou económico, à sua escolha, durante dois anos. Bravo!
Diria até que esta medida se devia estender à população mais carenciada e a desempregados, por exemplo.
Este Programa de Oferta de Assinaturas Digitais é brilhante e insere-se no Plano de Ação para a Comunicação Social (PACS), com um investimento previsto de 5,9 milhões de euros, anunciou o Governo.
Mas se a medida é em si muito, muito boa, de nada valerá se não for amplamente divulgada por pais, mães, tutores, agentes educativos, instituições e demais sociedade.
É importante - urgente - estimular os jovens destas idades a ganharem o gosto, o prazer (o orgulho até) e o hábito de lerem periódicos e perceberem o valor e o poder de quem tem acesso a informação credível. Informação é poder. E estimula o espírito crítico.
E ajudará certamente os jovens indecisos que não sabem ainda em quem votar e que podem virar o jogo.
Vozes mais diversas, precisam-se
Mas para que esta medida resulte, e se inscreva na cultura da nova geração, a forma de se fazer jornalismo deve representar mais estes tempos. E refletir também o olhar e a diversidade dos ‘new age kids’ (saravá Paulina Valente Pimentel), atualizando-se na linguagem, nos temas, ser mais inclusiva e multimédia, para que os mais jovens se identifiquem.
Faltam mais cronistas com a voz e o carisma da Alice Neto de Sousa, da Nuna, do Peter Castro, da Tânia Graça, da Alice Azevedo, da Guadalupe Amaro ou Kiko is Hot.
E, um pouco mais velhos, mas com um pensamento necessário para a discussão pública: André Tecedeiro, Diana Niepce, Hilda de Paulo, Paula Cardoso ou Brito Guterres.
Formas de estar e de pensar que desarrumam os fatos cinzentos dos cronistas do costume e nos levam a olhar o país e o mundo com outras lentes, outros lugares de fala e de conhecimento sobre várias temáticas.
Certamente com mais pluralidade e diálogo intergeracional, de perfis realmente diversos, os jornais ficam mais ricos, relevantes, representativos, atualizados.
De volta à boa notícia dos jornais gratuitos para os jovens do secundário que se preparam para entrar na faculdade. Ou no mercado de trabalho. Isto merece uma ‘champanhada’.
A medida insere-se no âmbito do PACS, apresentado pelo Governo em outubro do ano passado e, segundo o executivo, “tem como objetivo fomentar a literacia mediática e digital, combater a desinformação e promover o espírito crítico nos jovens”.
Jornais para todos os gostos
Nesta banca virtual com jornais e revistas à borla para jovens dos 15 aos 18, estão disponíveis os seguintes títulos (que aqui coloco por ordem alfabética):
Correio da Manhã, Diário de Notícias, ECO, Expresso, Jornal de Notícias, Jornal Económico, Observador, Público, Sábado, Vida Económica e Visão.
Passem a palavra e conversem com os jovens que vos rodeiam, sobre a real importância desta medida.
E convém lembrar que todas as pessoas que estiverem inscritas numa biblioteca municipal, têm acesso gratuito a jornais nacionais e internacionais na sua versão digital.
Diria que isto não é suficientemente sabido e divulgado. É incrível jovens e menos jovens poderem desta forma aceder em casa, na escola, de qualquer lugar, aos jornais.
Ao mesmo tempo, tenho receio que esta recente medida dirigida aos mais novos não tenha muito sucesso.
Existem demasiadas distrações, pouco tempo, pouca calma, poucos lugares para a reflexão e pensamento.
Os jovens — e a maioria das pessoas na verdade — andam dispersos com tantas solicitações em modo de multitasking, entre um streaming, um scroll, um like e um vídeo viral, que é competição feroz e quase desleal entrarem os jornais na mesma pista de atenção....
Na era da desinformação, da IA e do ChatGPT — tecnologias que quando mal usadas, parecem promover a preguiça intelectual e a dependência da máquina para pensar — pode o jornalismo, o jornalismo independente, sério, plural e livre voltar a ser futuro com redacções robustas, para resgatar estas novas gerações dos grandes apagões e arrastões?
Bernardo Mendonça. Jornal Expresso, 10 de maio de 2025
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