Sugestão de leitura | A Reinvenção da Masculinidade: Homens e Feminismo

Se muitos jovens sentem hoje confusão acerca do que é o papel próprio de um homem, não podemos culpá-los. Longe vão os tempos em que a mãe de um rei, vendo-o lamentar-se por perder uma cidade ou um reino, lhe podia dizer “chora como uma mulher o que não soubeste defender como um homem”. Essa história já tem uns séculos. Mas na nossa infância ainda eram comuns as injunções aos rapazes para não chorarem (“um homem não chora”) e para mostrarem coragem física (“sometimes you gotta fight to be a man”, cantava Willie Nelson, salvo erro). Mesmo se a maioria das batalhas hoje são travadas no escritório e só raramente envolvem confronto físico — violência doméstica à parte —, uma reputação de bravura, virtual que seja, ainda pode ter a sua utilidade nesse terreno. Que os bravos em questão frequentemente se mostrem uns perfeitos cobardes quando se trata de enfrentar os verdadeiros desafios da época — não se solidarizando com colegas do sexo feminino, alvos de abusos vários, por exemplo — não parece deixá-los em dúvida sobre as suas próprias virtudes.
A REINVENÇÃO DA MASCULINIDADE: HOMENS E FEMINISMO
Josep M. Armengol
Tinta-da-china, 2025, trad. de Rita Almeida Simões, 318 págs.,
Ensaio
Para jovens e não só, o problema, além de todas as incongruências que os estereótipos sempre envolvem, é que a norma em si mesma está em evolução. Já não se trata apenas da dificuldade em estar à altura dela. É não se saber qual é a norma. Por ignorância pura, ou quase, cada vez é mais difícil assumir a masculinidade tranquila que supostamente encarnavam os ‘homens de antigamente’ (outro estereótipo de valor limitado. Quais deles?). O que é um homem, isto é, o que deve ele ser? Num extremo, temos o ridículo da ‘manosfera’ e aquelas versões histéricas propagadas por figuras mediáticas como Andrew Tate, atualmente a enfrentar acusações graves de tráfico sexual na Roménia. No outro, temos ideias feministas que procuram anular por completo o que tradicionalmente define um homem, chegando ao ponto de considerar o ato sexual com mulheres que seja “goal-oriented” — que vise o orgasmo como conclusão natural — um sinal flagrante de imaturidade masculina. Não estou a inventar. Claro que no sexo, como em qualquer outra área de uma relação, tudo é legítimo desde que haja vontade comum dos envolvidos. Mas sabendo-se que com frequência existe mais apetite sexual de um lado que do outro, o que em princípio dá mais poder a este outro, podendo as negociações ser delicadas e a própria abertura de negociações ser um privilégio, como nas guerras, a criação de uma nova norma pode ser problemática.
Obviamente, o que está em causa não se resume ao sexo, nem de longe. O feminismo, cujas origens modernas remontam aos séculos XVII e XVIII e que foi retomado no século XX após um período de retração burguesa, tendo-se intensificado particularmente nos anos 60 e 70, fez-nos o grande favor de permitir olhar para as mulheres como seres humanos em pé de igualdade com os homens. Convém dizer isto para frisar que ele é sobretudo uma questão de justiça e equidade. A necessidade de “reinventar a masculinidade”, para pegar no título do presente livro, tem a ver com esse imperativo. Uma relação entre iguais não é possível quando o homem é definido à partida como o provider ou o protetor (versão Tate) da mulher, até por o corolário potencial disso ser a violência. Também não é possível, ou fácil, quando as tarefas domésticas continuam a ser vistas como atribuição necessária das mulheres.
Independentemente da divisão concreta de tarefas dentro de cada casal, que tem a ver com a sua economia específica, é essencial que o papel da mulher tenha dignidade idêntica ao do homem, e não apenas naquele sentido puramente virtual em que a Igreja continua a falar da nobreza única da mulher enquanto mantém a sua estrutura patriarcal.
A densidade teórica adquirida pelo feminismo ao longo das suas várias fases, que este livro reconhece sem entrar demasiado nela, ainda não tem equivalente nos estudos da masculinidade, mas é ela, até certo ponto, que os implica. Assim, o que está em jogo aqui, idealmente, é um ganho mútuo. Tal como na divisão de certas obrigações, incluindo as de cuidado infantil. “Em resposta, entre outras razões, ao seu sentido de alienação e impessoalidade no mundo do trabalho, parece que muitos homens começam a lamentar a contínua falta de ligação com as filhas e os filhos”, escreve Armengol. “Sentem que estão a perder uma das experiências emocionais e pessoais mais profundas (e mais raras) da nossa sociedade. Ao tornarem-se pais, estes homens estão a mostrar que as qualidades da ‘maternidade’ não são realmente instintivas ou biológicas, mas antes podem ser aprendidas e exercidas pelos homens, se tanto os homens como as mulheres exercerem de igual forma o papel de progenitores (Solano e Bacete, 2021). Ao oferecerem toda a sua capacidade de amor e de educação, estes pais parecem determinados a recuperar a linguagem perdida das emoções (masculinas).”
Afirmando o efeito positivo dessa experiência na promoção da igualdade de género, o autor conclui: “O envolvimento cada vez mais ativo dos homens na paternidade precoce poderá, com o tempo, minar a natureza opressiva da ‘masculinidade’ e a negação da ‘feminilidade’, desafiando assim a opressão masculina.” Em contraste, Armengol nota que a ausência dos pais durante o crescimento pode gerar uma tendência para querer ser superior às mulheres. E umas quantas lágrimas de frustração, se calhar…
Luís M. Faria, E-Revista, Semanário Expresso, 17 de julho de 2025
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