Coleção - Oferta | Na Presença da Ausência, de Mahmoud Darwich
#alermaisemelhor
"Ele era o Príncipe das Palavras e seu nome era Mahmud Darwich"
- Elias Khoury
Capa: Palestinian Village, de Nabil Anani
Esquivando-se ao espartilho da categorização, o presente livro não se deixa arrumar num lugar fixo. Nas palavras de Darwich, em entrevista concedida a Mohammad Shaheen, "[Na Presença da Ausência] não é poesia nem prosa. Não é autobiografia nem romance.» Transita entre géneros, mescla-os, manipula-os, e faz-se num edifício que desafia a própria noção de género, ancorado no desígnio primeiro de «celebração da estética da linguagem".
Do prefácio, Manuel Alberto Vieira (2025, pp. 5-6)
Excerto
Volta a ser criança. Ensina-me a poesia. Ensina-me o ritmo do mar. Restitui às palavras a sua inocência primeira. Faz-me nascer de um grão de trigo, não de uma ferida. Faz-me nascer e devolve-me a um mundo anterior ao significado para que possa abraçar-te na erva. Ouves-me? A um mundo anterior ao significado. As árvores altas caminhavam connosco enquanto árvores, não enquanto significado. A lua despida rastejava connosco. Uma lua, não um prato argênteo. Volta a ser criança. Ensina-me a poesia. Ensina-me o ritmo do mar. Toma-me pela mão para que possamos atravessar juntos o abismo que separa a noite do dia. Juntos aprenderemos as primeiras palavras e construiremos um ninho secreto para o pardal, o nosso terceiro irmão. Volta a ser criança para que eu possa ver o meu rosto no teu espelho. Tu és tu? Eu sou eu? Ensina-me a poesia para que eu possa escrever-te uma elegia agora, agora, agora. Como tu ma escreves a mim! (Darwich, 2025:25)
📌Sobre Mahmoud Darwich
Mahmoud
Darwish (1941–2008) foi um poeta, escritor e intelectual palestino,
amplamente considerado o maior poeta da Palestina e uma das vozes mais
importantes da poesia árabe moderna.
É conhecido por transformar a experiência palestiniana de exílio, ocupação, perda e identidade em poesia de grande força lírica e universal, indo além do discurso político direto.
É conhecido por transformar a experiência palestiniana de exílio, ocupação, perda e identidade em poesia de grande força lírica e universal, indo além do discurso político direto.
📌Sobre Na presença da ausência
Na Presença da Ausência é um dos livros mais profundos e singulares de Mahmoud Darwish — e, para muitos leitores, o seu testamento literário.
Não é um livro de poemas no sentido clássico, nem um diário: é uma autobiografia poética, escrita quando Darwish já vive sob a consciência constante da morte (após cirurgias cardíacas graves).
Trata-se de um monólogo em prosa poética, onde o autor dialoga consigo próprio como se estivesse entre a vida e a morte. O “eu” escreve para o “eu”, observando-se como quem já se ausenta.
O título resume o paradoxo central da obra: a ausência (da pátria, da infância, do corpo intacto, da vida futura), que se torna presença pela linguagem.
Os temas centrais são
- a morte e consciência do fim - a morte não é dramática nem heroica. É tratada com lucidez, ironia e aceitação calma. Darwish escreve como quem já sobreviveu a si próprio. Não há lamento — há vigilância.
- a memória e a infância - o regresso à aldeia natal, à mãe, à casa destruída, surge como tentativa de ancorar a identidade antes do desaparecimento definitivo. A memória é frágil, mas é tudo o que resta.
- o duplo - o livro está cheio de desdobramentos:
- o poeta observa o homem,
- o sobrevivente observa o morto,
- o exilado observa a sua língua.
- a linguagem como última morada - Darwish parece chegar a uma conclusão radical: a pátria final não é a terra, nem o corpo — é a palavra. Mas mesmo a palavra é provisória.
Mahmoud Darwich. Na presença da ausência. Porto: Livraria Flâneur, 2024
A Biblioteca da ES Camilo Castelo Branco agradece ao professor Ricardo Pereira a oferta deste livro.
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